Experiências de Círio

Outubro. Segundo domingo. Círio de Nazaré. Como não poderia deixar de ser, escreverei algumas experiências vividas nessa festa tão bonita.
Em setembro mesmo já dá para sentir o clima do Círio. Indo para a Universidade em um dia desse mês, avistei em uma esquina do bairro da Cremação um homem carregando aquele mostruário de fitinhas de Nossa Senhora, de todas as cores, vendendo 5 unidades por 1 real, então percebi que os dias de festa, procissão e confraternização estavam próximos. Aproveitei inclusive, durante a viagem, para relembrar meus Círios memoráveis.
Sempre participei das procissões com a minha família, lembro meus pais me levando para caminhar na Trasladação ainda criança, eu ia toda eufórica, roupa e sapatos novos, tínhamos horário certo para sair de casa, por volta das 17 horas. Como morei a maior parte da vida na mesma rua, andávamos seis quarteirões de casa a Avenida Nazaré. Até aí tudo bem, mas andar toda esta avenida, depois a Presidente Vargas e Boulevard Castilho França, até a Igreja da Sé, é sacanagem para uma criança de 6, 7, 8 anos de idade. A caminhada então se tornava um suplício para meus pais, se eles tinham feito alguma promessa, com certeza pagavam comigo: “quero colo”, “me leva no macaquinho”, “to com sede, quero água”, “to com fome”, “quero ir embora”, “quero fazer xixi”. Não me lembro de ter chegado a Sé uma única vez quando criança, vencia meus pais pelo cansaço e íamos embora antes da procissão terminar.
Outra tradição familiar praticada no Círio é presenciar a chegada da Santa ao Centro Arquitetônico de Nazaré (CAN) depois da procissão do domingo. Aguardávamos, eu e minha mãe ou eu e minha tia, geralmente, em uma das esquinas da Avenida Generalíssimo Deodoro, que faz cruzamento com a Avenida Nazaré, escolhíamos aquela que estivesse menos sufocante. Não lembro bem que critérios nós estabelecíamos para a escolha do local, mas que verdadeiramente nenhuma das esquinas nunca esteve menos sufocante.
“Lá vem a corda!”, foi somente o que ouvimos eu e minha mãe, porque já não podíamos fazer mais nada para sair dali. Antes da passagem da corda, havíamos escolhido o local por causa do orelhão que existia bem na esquina. Lembro minha mãe falar algo como “vamos ficar protegidas aqui”, que por ironia não foi bem o que aconteceu. Depois do “lá vem a corda”, o que passei a ouvir foi: “tem uma criança aqui”, “tirem essa criança daqui”, falas da minha mãe, as outras pessoas diziam: “o orelhão vai cair”, “chamem o bombeiro” e eu dizia chorando que não queria sair dali sem minha mãe. A força da multidão e dos promesseiros da corda foi tanta, que as pessoas que ficavam paradas nas esquinas da Avenida Nazaré eram empurradas para as ruas transversais e independia das mesmas evitar entrar em choque com alguém ou algum objeto, como um orelhão. E por ironia, eu e minha mãe que achávamos estar protegidas pelo orelhão, corremos o risco de nos acidentar caso o mesmo caísse em cima de nós. A manchete do jornal não seria muito boa: “Mãe e filha amassadas por um orelhão”, “Mãe e filha levam uma ‘orelhãozada’ no Círio”. O fim da história foi bom, o bombeiro salvou a mim e minha mãe, para comemorar voltamos para casa de táxi, tomando uma coca-cola bem gelada no saquinho, porque “era pra levar”.
A mais recente experiência de Círio ocorreu no ano passado. O ano de 2009 foi meio difícil para mim, então fui à procissão de sábado para agradecer, rezar pela parte boa do ano e até mesmo pelo que aprendi com a parte difícil. E lá fomos nós, eu, mamãe e titia. Como de costume andamos de casa até a Avenida Nazaré, como já saímos atrasadas, tivemos que correr atrás da Santa pela rua paralela a esta avenida. Pelos fogos disparados em homenagem a Virgem dava para saber em que altura ela se encontrava, resolvemos então entrar na Benjamin Constant e ficar na esquina dessa rua com a Nazaré para esperar pela passagem da Berlinda. Eu não sei por que ainda insisto em ficar em esquinas, no bom sentido da coisa, é claro.
Localizado na Nazaré com a rua Benjamin fica um hotel em que, geralmente, faz-se homenagem a Nossa Senhora: fogos, coral de música, cantores, Fafá de Belém. Bendita Fafá que parece que em época de Círio ela é novidade, que canta melhor e mais bonito e a população fica alvoroçada para vê-la cantar, inclusive minha mãe e tia. E eu que só queria rezar...
“Cubra-me com seu manto de amor, guarda-me na paz desse olhar, cura-me as feridas e a dor, me faz suportar...”. “É a Fafá!”, berrou mamãe e todas as outras mulheres a minha volta quando ouviram esta música. Resolveram estas mulheres não somente gritar como também se direcionar para frente do bendito hotel das homenagens e eu, mais uma vez repito, que só queria rezar, fui arrastada pela multidão: mamãe, titia e todas aquelas mulheres parecem nunca ter visto a Fafá cantar no Círio!
Ficamos paradas na frente do hotel observando a homenagem, paradas na verdade é força de expressão, eu tava mais para o João Bobo, empurrada de um lado para outro. Tenho que confessar, caros amigos leitores, que nesse momento de sobrevivência eu me emocionei: olhei para um lado e mamãe chorava, olhei para o outro e titia chorava, lembrei das dificuldades e conquistas do ano até aquele momento e também comecei a chorar. “Lá vem a berlinda!”, gritou a multidão e nesse instante pude entender qual o significado de ouvir Fafá de Belém cantando no Círio como se fosse novidade e as pessoas chorando de emoção ao verem a berlinda passar com aquela Santa tão pequenina e ao mesmo tempo tão poderosa.
Feliz Círio a todos!



Comentários

  1. O BABI! VC ME FEZ CHORAR< AO RELEmbrar as minhas esperiencias, do cirio, corda etc. eu wque me encontro longe dai , nesta epoca fico muito nostalgica, ao ler o seu relato, vi td , parecia que estava, ai revi td, vc , sua mae e irmas, a 14 de marçco BASILICA. que saudades, bjs. LA VEM A CORDAAAAAAA.

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  2. Minha filha a Nazica emociona sempre e voce me emocionou com suas lembranças que tambem sao minhas, que Ela te cubra com seu manto de AMOR!
    Te amo,

    Mami

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  3. Oi, priminha, que lindo.. acho que essas lembranças do círio são coletivas. tenho tantas também e lendo teu maravilhoso texto me fez lembrar de algumas.. mais uma vez te digo que me orgulhas muito!!! bjs te amo prima

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