4 igrejas + 3 exposições = nossa própria tradição

Uma tradição da minha família é percorrer as sete igrejas na sexta-feira santa. Desde a infância fui iniciada pela minha mãe nessa tradição e acabei influenciando meu marido Fábio. Este ano de 2023 eu hesitei em ir, queria aproveitar o feriado para descansar, (professora sempre quer descansar), já era tarde, 11h da manhã, e eu ia criando várias desculpas para mim mesma, mas Fábio me convenceu a ir, pois ele é um homem de muita fé e além do mais, ele prometeu que faríamos o percurso de carro. E lá fomos nós dois juntos e sozinhos pela primeira vez. E inauguramos nossa própria tradição.
Primeira parada: catedral da Sé. “Babi, vou rezar ali naquele banco”, “eu vou olhar Nossa Senhora das Dores”. A santa cercada de fiéis fazendo selfie. Uma mulher bateu no braço de outra, pois não queria que ela aparecesse na selfie dela, “te acalma, mana, é Páscoa”, reclamou a que pegou tapas. E eu fui logo rezar em outro lugar antes que eu pegasse uma tapa também.
Segunda parada: Igreja de Santo Alexandre. “Quatro reais pra entrar”, gritava um homem. “Fábio, eu não vou pagar pra entrar. Bora rezar aqui mesmo, que isso tudo é igreja.” De repente, avisto a berlinda de N.S. de Nazaré na sala da Galeria Fidanza, dentro do prédio da igreja, e entendi como um sinal divino. A berlinda faz parte da exposição “Manifestações Culturais do Brasil”, que apresenta os 52 patrimônios culturais imateriais do Brasil, dentre eles o nosso amado Círio de Nazaré. Rezei novamente, agradecendo pela bela, rica e gratuita exposição. “Babi, essa exposição conta na nossa peregrinação?”. “Com toda certeza, Fábio. Ela está no prédio da igreja, apresenta várias manifestações religiosas, é o puro suco da cultura e me emocionei mais aqui do que na Sé, com uma mulher batendo na outra. Te convenci?”. “Convenceu”. Terceira parada feita com sucesso.
Quarta parada: Casa das Onze Janelas. Uma parada para ir ao banheiro, fazer fotos da maré alta e do barquinho popopô navegando com dificuldade contra a maresia, céu azul, vento agradável sugerindo atar uma rede “naquela árvore ali” e visita a exposição “Brasil Futuro: as formas da Democracia”. Fábio me olha de rabo de olho: “vale de novo?”. “Só vale. Democracia no Brasil foi conquistada com muito sofrimento e todo tempo tem sido testada. Temos que rezar por ela!”.
Quinta parada: Igreja do Carmo. Depois de estacionar, de longe o guardador de carro grita: “vou olhar, patrão, me dê uma força. Vá lá rezar tranquilo.” E já não seria mais tranquilo. “Fábio, eu não tenho um tostão”, “nem eu Babi”. Depois de rezar, o escrito “CHARITAS” na parede da igreja me fazia lembrar do dinheiro do guardador. “Bora procurar, alguma moeda, Babi.” Remexe bolsa, bolso, carteira. “Achei 0,50 centavos!”. Seja o que Deus quiser! “Toma aí, patrão, só o que temos.” “Tá valendo, patrão, boa Páscoa!”. Seguimos.
Sexta parada: Igreja de São João. Entramos e sentamos para rezar. Um silêncio tomava conta do lugar. Ao nosso lado, deitado no chão, um vira-lata em paz com esse clima, se espreguiçava e logo adormeceu. Rezamos tranquilamente. Quase adormecemos também. Levantamos e seguimos para mais uma parada. “Igreja ou exposição, Babi?”.
Sétima parada: Museu do Estado do Pará.
“A exposição está aberta?”, “sim, até as 16h30, sejam bem-vindos!”. Somente nós dois de visitantes. A monitora apareceu para dar um bom dia ou seria boa tarde? A velha piada “ainda não almoçamos, é bom dia ainda”. Era uma da tarde. Com certeza não tinha mais ninguém rezando ou interessado em arte a esta hora. A fome começava a dar sinais entre nós. Eu, taurina, não me importei, história e arte contemporânea conversando e se confrontando por todos os cantos daquele museu, como diz o título da exposição “imagens que não se conformam”. Depois de visitar todas as salas, prestar atenção aos mínimos detalhes, brilhar os olhos, fomos interrompidos por novos visitantes. Era hora de ir. Agradecemos e fomos embora depois de 4 igrejas e 3 exposições.
Não era mais a mesma tradição, mas é a nossa própria tradição.


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