O bolo que faz chorar


“Alô, Babi, minha filha, tudo bem?”. 
“Oi, tia Lourdes, tudo bem. E com a senhora?”.
“Estou te ligando pra saber o que queres ganhar de aniversário”.
“Oh, tia, a senhora já sabe o que quero ganhar.” No que ambas falavam juntas: “Bolo de baba!”. E caíam na gargalhada. 

Este era um diálogo comum com a Maria de Lourdes Fonseca, a tia Lourdes. Todos os anos, próximo de meu aniversário ela me ligava para perguntar sobre meu presente e a resposta era sempre a mesma: bolo de baba, que se tornou então uma tradição em minhas festas de aniversário. Um bolo delicioso preparado magicamente por ela e que atravessou gerações de aniversariantes da família Fonseca. 
O ritual era o mesmo: no dia da festa ela chegava carregando o bolo de baba e ainda trazia o não menos delicioso espumone, uma sobremesa gelada com três coberturas: uma de chocolate e biscoito, outra de leite condensado, basicamente, e uma terceira de clara em neve, creio eu. (Eu não sei a receita, só comia.) Meus olhos brilhavam. O bolo de baba ia ocupar seu lugar de destaque: o centro da mesa, quando então o espetava com a vela. E o espumone ia parar direto no congelador e caía no esquecimento. Raramente a sobremesa era servida entre os convidados, ficava coincidentemente esquecida na geladeira até o dia seguinte. Meus primos diziam que escondia de propósito. Intriga!
Há alguns anos a doença do esquecimento (logo ele que trazia um sabor e gargalhadas ao almoço pós-aniversário) trouxe tristeza e confusão para tia Lourdes. E ela não faz mais o seu famoso bolo de baba. Mas só de imaginá-lo, já sinto seu gosto. Com o passar dos dias, ele ia ficando cada vez melhor e saboroso e no fim de tarde combinava com o café com leite. 
Em tempos de pandemia, foi doloroso lembrar de meus aniversários na casa da 14, sempre cercada de meus familiares, amigas e amigos que compartilhavam comigo das iguarias da família Fonseca: bolo de baba, espumone e bolo de macarrão. Rememorar das conversas e das músicas que atravessavam a noite. Hoje, essas festas estão  somente na memória. E sou grata por tê-las!

“Babi! Desce aqui!”.
“Oi, Fábio, o que foi? Já estou indo”. Um volume em cima da mesa, coberto por panos de prato.
“O que é isso? É o que estou pensando?!”. Quando retiro os panos e me deparo com o bolo de baba.
“Bolo de baba!!! Não acredito!”. Caio no choro, quase salgo o bolo, cheirando-o e me remetendo a um passado recente, alegre e bonito.  
“Muito obrigada!”. 

Depois do primeiro pedaço comido, vejo que a receita do bolo de baba também  atravessou gerações. 

Comentários

  1. Me lembrei de Proust "Em busca do tempo perdido" 👏👏👏👏👏👏👏

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