Sete igrejas

Desde a infância eu e minhas irmãs costumávamos acompanhar nossa mãe na peregrinação as sete igrejas, toda sexta-feira santa que antecede o domingo de Páscoa. A única coisa certa nessa tradição era o fato de a realizarmos, mas como a fazíamos dependia de nossa disposição e boa (as vezes má) vontade. 
Acordar cedo sempre foi um problema na família Fonseca, a partir da geração de mamãe. Então sempre planejávamos acordar sete horas da manhã e acordávamos às nove. Um corre corre para quem tomava banho primeiro, depois se arrumar, tomar café e ir para a parada esperar o ônibus. Em dias normais, o Cremação tinha uma frota reduzida, imagina em dia de feriado. Então mais perda de tempo, esperando o busão. 
Nós visitávamos pelo menos três igrejas: Sé, Santo Alexandre e Carmo. As demais dependiam do sol, sede e fome. 
Quando chegávamos a Catedral, o ritual era sentar, rezar, admirar as pinturas que retratam os santos (acho magnífica a de Santa Bárbara) e acender velas na lateral da igreja. Porém, ou nós esquecíamos as velas ou os fósforos. Quando esquecíamos os fósforos, era mais fácil acender a vela na chama amiga, mas quando esquecíamos as velas que era o problema. “Pega essa vela aí, mãe. Já até apagou”. “Para com isso, menina, é até pecado fazer isso!". Então ela saía em busca de um pacote de velas superfaturado. Mas sempre dava certo. Seguiámos então para as demais igrejas. 
Ao sairmos da igreja do Carmo, já era mais de meio-dia. A fome começava a dar sinais. Mamãe olhava para nós e já sentia que as reclamações iam começar. “Vamos somente ali na capelinha de São João e vamos embora". Tudo conversa para enganar criança. Ela ainda nos convencia a ir até a igreja de Santana, seguida pela de Nossa Senhora do Rosário. “É bem ali. (Fazendo o biquinho de belenense). Vamos logo!”. E não tínhamos escolha mesmo e lá íamos nós, já emburradas (pelo menos eu ficava. Taurina não pode sentir fome que já emburra), para a próxima igreja. 
Dependendo da rota, ainda visitávamos a igreja da Trindade, o que dava um total de seis igrejas. Não me recordo, pelo menos na infância, quando fazíamos o percurso a pé, de peregrinarmos as sete igrejas, cinco ou seis eram certas. Mas sete, creio que nunca. Depois de sair da Trindade, mamãe já estava compadecida daquelas bochechas rosadas de sol e a cara breada de suor. “Está bem, vamos embora que ainda tenho que fazer o almoço”. A essa altura, passado a uma da tarde, a minha fome e a brabeza já estavam insuportáveis. Pegávamos um táxi e íamos embora para casa, ansiosas pela caldeirada da Eugênia Fonseca. Ela se orgulhava em ser a cozinheira mais rápida do mundo! 
Ao sentarmos para almoçar, já perto de três da tarde, mamãe prometia que no próximo ano seria diferente: acordaríamos cedo, levaríamos velas e fósforos suficientes e percorreríamos as sete igrejas. Nós ríamos baixinho, sabendo que não iria acontecer. A nossa tradição era essa mesma, percorrer as igrejas a nossa maneira, tão particular, mas cheia de fé. O que não percebíamos era que a sétima igreja era a nossa própria casa: “A igreja somos nós”. 


Uma Feliz e abençoada Páscoa a tod@s! Nossa casa é nossa igreja. E hoje, mais do que nunca, nossa segurança. #fiqueemcasa

Comentários

  1. Nossa casa, nossa Igreja e hoje, mais do que nunca, nossa Proteção!
    Feliz Páscoa!
    #Fica em casa!

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  2. Deu vontade de fazer o percurso das sete igrejas, mas como sou taurina, antes farei uma boquinha no Veropa. Emburro com facilidade 😅! Beijo de Paris. Daniela, amiga de Daniele F.

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    1. 😂 taurinas se entendem! Quando pudermos, faremos o percurso e a boquinha no Veropa! Grata pela leitura!

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