Sem Sabor

Uma das coisas que mais gosto de fazer nessa vida é comer. Se fosse questionada em uma pesquisa qualquer sobre coisas que você mais gosta de fazer, responderia comer e dormir, se bem que não consigo dormir se estiver com fome, então certamente comer seria minha resposta.
Mas não pensem vocês, caros leitores, que sou uma profissional no assunto, ou que conheço culinárias diversas e de muitos países, até porque ainda não fui a nenhum outro país. Meu paladar está relacionado as minhas lembranças, principalmente da infância.
Quando criança, nesta mesma casa que habito até hoje, morava uma tia que é exímia cozinheira, quer dizer a especialidade dela é fazer sobremesas, principalmente bolos, pudim, bolo pudim. Era o tempo também que minha casa era habitada por mais pessoas, e olha que hoje em dia mora gente pra caramba comigo, mas naquela época eram mais pessoas, mais crianças para disputar a colher de pau.
A colher de pau a qual me refiro era um instrumento de trabalho de minha tia no preparo dos bolos. Não sei bem se não existiam ainda as batedeiras elétricas ou se era opção dela bater a massa do bolo de modo tradicional, só sei que a colher de pau e a vasilha em que a massa fora batida, eram motivo de disputa entre as crianças da casa. “Pri!”, “si!”, “tri!”. Era dessa maneira que os vencedores eram definidos, era a lei do mais esperto. O primeiro podia escolher entre a colher de pau e a vasilha, o segundo ficava com o que sobrava da escolha, o terceiro fazia cara de piedade e contava com a solidariedade alheia, mas existia ainda um outro objeto utilizado no preparo que era a pá para raspar a massa e untar a forma em que o bolo seria assado. Para o quarto colocado quase sempre não sobrava nada, até porque o quarto colocado nunca sabia como gritar: “quatri!”, “quarto!”, “quatro!” e variações.
Após a disputa, os felizardos refestelavam-se com a massa crua do bolo, com os dedos todos lambuzados, pois era essa a técnica mais saborosa de comer aquela mistura de ovos, trigo, açúcar e fermento, além do que sempre espantava os pedidos de “me dá uma prova”. Esses momentos marcaram para sempre a minha memória gustativa. De vez em quando hoje, ainda me pego atrás de massas de bolos. Entretanto, a disputa pela colher de pau é só mais um momento entre os que abarrotam minhas lembranças.
Mamãe vive dizendo que tenho um paladar infantil, que só gosto de comer pizza, hambúrguer, hot dog, cachorro quente, que trocaria um prato de caviar por uma boa pizza de calabresa, - acho que muita gente também faria isso - o que não deixa de ser verdade. Mas se tenho essa tendência a comidas cheias de gordura trans, mas extremamente apetitosas, é tudo culpa dela!
Uma das lembranças mais felizes que tenho do Círio de Nazaré, além da festa em si, é o que ela podia proporcionar em termos culinários, mas não estou falando aqui nem de maniçoba ou pato no tucupi, mas de uma tradição da família Fonseca que era comer o cachorro quente do Rosário depois da Trasladação. O carrinho de lanches do Rosário ficava ali ao lado do Cinema Olympia e atraía muitas pessoas, não só na época do Círio, mas em todos os momentos, pelo simples fato de ter o cachorro quente mais delicioso da cidade, pelo menos eu achava isso. Então acontecia da seguinte maneira: eu e mamãe caminhávamos até um determinado trecho do percurso da Trasladação e quando batia o cansaço e a Avenida Presidente Vargas já estava livre dos fieis, voltávamos andando no sentido oposto ao da procissão e fazíamos a tradicional parada no lanche do Rosário. Era sempre lotado e o cachorro quente era o lanche mais rápido de ser preparado, além do que o mais gostoso sanduíche. Por algumas vezes quis variar: “ah! todo ano só como cachorro quente, vou comer um ‘x-burguer’ hoje”, mas nunca era uma boa escolha, não tinha o mesmo sabor do cachorro quente, sempre me arrependia e, logicamente, sempre pedia um cachorro quente depois, “só pra rebater”, até porque além de gostar de comer, como muito.
As festas de aniversário também são um marco na minha memória gustativa. Aqui em casa todas as minhas festas para serem boas tinham que ter arroz com galinha, bolo de Baba e refrigerante, numa época em que essa bebida era tomada somente aos finais de semana e aniversários. Hoje em dia tem refrigerante todo dia em casa, meu cunhado toma até no café da manhã e eu, já nem gosto mais de refrigerantes. Arroz com galinha vulgarizou também, de vez em quando tem para almoçar e já não contém mais pedacinhos de salsicha, que na infância ficava catando ao me servir. Mas o que dizer do bolo de Baba, esse é especialidade da minha tia, aquela que é excelente cozinheira. Esse não se vulgarizou, mas cristalizou-se como uma tradição dos meus aniversários. Titia me liga e diz: “o que tu queres ganhar de presente?” e eu sempre respondo: “um bolo de Baba”. Batata! Dia 16 de maio ele sempre está em cima da mesa com uma vela enfiada para cantar os Parabéns.
As festas de fim de ano, já que estamos nos aproximando delas, e a farta comilança proporcionada pelas mesmas são ótimas em termos culinários, mas o prato que se destaca também não é o mais tradicional, como peru, chester ou outras aves comestíveis, mas a lasanha da mamãe. Tudo o que a D. Eugênia faz é muito saboroso, ainda mais pelo agravante de que aos finais de semana, geralmente, é ela quem cozinha, então o imaginário criado em torno do cardápio do fim de semana, torna ainda mais apetitosa a comida. Mas a lasanha é com certeza o prato que marca o Natal ou o Ano Novo, ou os dois, pois mesmo a repetição não me enjoa. A receita é simples, pelo menos quando a observo fazendo, mas mesmo que eu tentasse realizá-la não conseguiria porque o sabor não seria o mesmo. Então a lasanha foi eleita, assim como o bolo de baba, a massa crua da colher de pau e o cachorro quente do Rosário como as minhas melhores lembranças gustativas.
Mas vocês devem estar estranhando e se perguntando por que estou escrevendo tanto sobre comida, tem gente que está fugindo de todos esses pratos gordurosos por mim aqui apresentados como meus prediletos. É pelo fato, caros amigos, de estar passando por uma fase sem sabor na minha vida, literalmente falando! Ultimamente o doce ficou amargo e o salgado insosso, e isso não é um clichê metafórico. Estou passando por um tratamento clínico que me tirou o paladar e o ato de comer deixou de ser prazeroso, até porque não sinto o gosto das comidas, logo delas de que tanto gosto. O bom disso tudo é que é passageiro, aos poucos vou recobrar meu paladar, e ansiosa espero por isso, mas mesmo umas semanas sem sabor, já me tiram o sabor pela vida. E logo eu, que prometi não escrever nada triste... Por enquanto me servem de alento as lembranças da infância.


Comentários

  1. Cada vez melhor Babi!
    Quando vc for famosa e escrever seu vigésimo livro, me convida pra escrever o prefácio? Até eu tb vou ser famosa, mas terei a honra de caitar, tá? Parabéns!!!

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  2. Caralho, escrevi tudo errado... foi a pressa, mas, como diria meu pai, pra quem sabe ler, um pingo é letra, né? Deixa assim, então...

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  3. Irmã, fico cada dia mais orgulhoa de vc, Adoro ler o que vc escreve, e vc está se superando a cada crônica. O sucesso te espera! T Amo! Aline.

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  4. Babi, viajei no seu texto, pra variar...
    e fiquei aqui com água na boca, inclusive de cachorro quente de picadinho e não de salsicha com purê que nem aqui em campinas. Faz parte!
    beijoss

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  5. Calma que vai dar tudo certo no final. E pra variar o texto ta ótimo. Eu quero provar a lasanha. hahuahuahua!!!!!

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  6. Me deu vontade de ir no Rosário comer cachorro quente, hehehehe!

    Raquel

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