Mas é preciso ter força
And
tell me now How do i live without you I want to know How
do i breathe without you If you ever go How do i ever, ever
survive? How do i How do i Oh how do i live?
Foi dureza para Alice
acordar as oito horas da manhã, no dia internacional da mulher, ao som de How do I live without you de Faith Hill.
O que para ela era uma tortura mental, para os taxistas de uma cooperativa na
esquina da casa dela era uma homenagem pelo dia da mulher.
O celular de Alice não
parava de apitar com a chegada de tantas mensagens de felicitações que iam
desde “Parabéns pelo dia da mulher. Que a ternura, a doçura, a paz e a
serenidade no olhar estejam sempre presentes em sua vida”; até “Hoje não há o
que se comemorar! A violência das mulheres no Brasil cresceu mais de 100% no último
ano...”. Cuja mensagem agradou muito mais o espírito crítico e inquieto de
Alice. Enquanto isso... “Coisa bonita, coisa gostosa, quem foi que disse que
tem que ser magra pra ser formosa?”
Alice foi tomar café e
deu por falta de itens básicos para que a primeira refeição do dia possa ser
chamada de café da manhã: leite, manteiga, café e resolveu ir ao supermercado. E
pensou que seria inevitável passar pela esquina de casa.
De longe viu que os
motoristas de táxi resolveram fazer um investimento na homenagem pelo dia da mulher
com o que há de mais piegas, com a utilização de um carro-som com altos
falantes que se ouvia ao longe e agora tocavam Never mind, I'll find someone like you I wish nothing but the
best for you too Don't forget me, I beg I remember you said:
“Sometimes it lasts in love, but sometimes it hurts instead”
A tática utilizada pelos
motoristas era feita de duas maneiras, ou abordavam as mulheres nos carros
parados no sinal fechado, lhes entregando rosas com sorrisos forçados estampados
no rosto, ou aquelas que passavam pela esquina ou estavam paradas a espera do ônibus
no ponto. Enquanto um entregava a rosa e se postava ao lado da mulher, passando
os braços por cima do ombro, o outro já fazia a foto, que provavelmente ia
parar nas redes sociais da cooperativa, com legendas do tipo: “Nossa homenagem
a todas as belas mulheres da cidade de Belém.” Enquanto eles abordavam uma
vítima, quer dizer uma mulher, Alice passou abaixada correndo daquela pieguice.
O dia no supermercado estava
muito agitado. Por onde se passava, funcionários se viravam muito gentilmente e
desejavam felicidades, algumas clientes receberam rosas, muito parecido com os
vídeos da propaganda de televisão, mas desconto no pote de 200 gramas de manteiga,
ao custo de oito reais, não teve.
Na volta para casa, Alice
pensou que inevitavelmente seria abordada pelos taxistas, receberia a rosa e seria
gentilmente forçada a tirar aquela foto, pois com as mãos ocupadas por sacolas,
não teria como se desvencilhar ou correr da situação. E de longe Alice ouvia: “Mulher
de quarenta, eu só quero ser o seu namorado.”
Ao chegar a esquina,
Alice ouviu: “Poxa, gracinha, mulher não deveria estar trabalhando hoje. Quer
ajuda com as sacolas?” Alice desconcertada, respondeu que não a chamasse de
gracinha e que se a mulher não trabalhasse era capaz do mundo parar! Ouviu de
volta: “trabalha porque quer, bebê”, seguida de uma gargalhada.
Alice não recebeu a rosa,
não fez foto, não foi parar nas redes sociais. Alice foi assediada, e recebeu olhares
maliciosos dos mesmos homens que estavam fazendo o número cênico tragicômico da
homenagem ao dia da mulher. Andando de volta para casa e com muita raiva
daquela situação, Alice agora ouvia: “Mas é preciso ter força, É preciso
ter raça, É preciso ter gana sempre, Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria Mistura a dor e a alegria.”
As músicas continuaram
pelo resto do dia. Alice passa por esta esquina todos os dias.
O 8 de Março não é dia para fingir homenagens, pois a vida e a história das mulheres são coisas sérias. Diga não a violência contra a mulher e toda forma de assédio. Denuncie. Respeito a mulher é a melhor homenagem.
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