Um estranho do Egito e Sweet Caroline

Ela falava português, ele falava árabe.               
Ela era católica, espírita, budista e acendia incensos pela casa, ele era muçulmano.
Ela vivia numa cidade ensolarada, ele vivia num país em guerra.
Ela assistia a guerra pela TV, ele era vítima da guerra.
Ela utilizava a Internet, ele utilizava a Internet.
Ela tinha um sonho de percorrer o mundo com sua bicicleta, ele tinha um sonho de viver numa cidade ensolarada.
Ela era maluca, tinha um cachorro e uma gata, ele era psicólogo, tinha uma filha em forma de boneca russa e três costelas quebradas.
Ela adorava meditar de forma agitada e dançar para movimentar a energia sexual, ele conhecia os melhores vídeos de “dancinhas” árabes.
Ela gostava de arte, pensava sobre arte e escrevia sobre arte, ele era professor de arte.
Ela pensava em como salvá-lo da guerra, ele pensava em como se salvar da guerra.
Ela sofria escondida pensando em como podiam viver em lugares tão diferentes, ele sofria escondido com a perda dos amigos e para não perder a si mesmo.
Ela tinha muitos amigos, ele a tinha como amiga.
Ela conversava com ele sobre os amigos, os problemas dos amigos e seus próprios problemas, ele esquecia dos seus próprios problemas quando conversava sobre os problemas dela.
Ela achava que estava distante demais dele e que poderia trazê-lo para perto, ele achava que estava distante demais dela e que poderia chegar mais perto.
Ela pesquisava na Internet sobre assuntos de ordem diplomática, vistos, asilo político, anistia, extradição, intercâmbio, etc., ele pesquisava em como ir para o Brasil ou para a Rússia.
Ela sonhava com o fim da guerra e uma vida melhor para ele, ele sonhava com o fim da guerra e com a liberdade.
Enquanto os sonhos não se realizavam, ela permanecia sendo uma Sweet Caroline de sorriso bárbaro, ele continuava sendo um estranho do Egito e de vez em quando cantava assim: Oh, sweet Caroline, good times never seem so good, oh I've been inclined to believe they never would”.

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