Uma mãe morreu no dia das mães


Uma mãe morrer no dia das mães deve, no mínimo, ser considerado como uma tremenda sacanagem. Mas, infelizmente houve uma morte, mas essa mãe, com certeza deve estar se divertindo com essa história, porque pelas lembranças que Alice guarda dela, a comicidade fazia parte da personalidade e da vida dela. E no dia de seu enterro não foi diferente.
Margarida foi avisada da morte de sua amiga de tempos longínquos, bem cedo na manhã do segundo domingo de maio. Isso a entristeceu bastante, fazendo-a rememorar tantas mortes com as quais tem de lidar ao longo de seus setenta e poucos anos. Mas não teve tempo de deixar a tristeza lhe dominar, pois recebeu a incumbência de avisar sua irmã e sobrinha do falecimento da amiga da família. “Margarida, o enterro sai às 10 horas e 30 minutos e o velório está acontecendo na capela Recanto da Saudade”, disse a sobrinha da falecida. Ou pelo menos foi o que Margarida pensou ter ouvido.
Logo Margarida tratou de avisar a irmã, que estava, ironicamente, no cemitério visitando o túmulo da mãe, falecida há quase 30 anos. Lourdes recebeu a notícia e ficou bastante consternada e combinou com a irmã para que a esperasse em casa para poderem ir juntas ao velório. Em casa, Margarida acordou a sobrinha, Alice, para também acompanhá-la ao velório da amiga.  Alice acordou contrariada, pois passou a noite na farra e teve que acordar cedo em pleno domingo (das mães) e, ao mesmo tempo, sentiu-se bastante triste, afinal uma morte é sempre triste, e a imagem que Alice guardava daquela senhora era a de uma pessoa feliz com sua vida, daquelas pessoas que contavam histórias diversas intercaladas com algumas gargalhadas, a tia cheirosa de colônia e talco, com vestidos coloridos e sandálias Picadilly, que oferecia infinitamente salgados e doces nas festas de aniversário, que lhe abraçava calorosamente e sempre elogiava a sua beleza.
Alice arrumou-se rapidamente, Lourdes já havia chegado e o relógio já marcava 9h30 quando as três saíram de casa. Como o local do velório era próximo à residência de Margarida, elas foram andando apressadamente e de longe Alice estranhou a pouco movimentação. Ao chegarem ao local, em uma das salas havia um velório e logo foram entrando, procuraram um rosto amigo e prontamente perceberam estarem no velório errado. Alice pediu informações a um funcionário da capela mortuária que lhe informou que o velório, na verdade, estava acontecendo na outra capela, que ficava a mais ou menos dez quarteirões dali e o enterro estava marcado para sair às 10 horas.
As três saíram dali apressadamente em busca de um táxi. Alice olhou para o relógio que já marcava 9h50 e ao mesmo tempo questionava Margarida sobre as informações que recebeu ao telefone. Margarida pensava como pode ter confundido as informações, não se perdoaria se não pudesse se despedir da amiga. Um táxi parou e as três entraram, deram o endereço e pediram ao motorista que fosse o mais rápido possível até o local. Alice, pouco otimista, dizia: não vai dar tempo, não vai dar tempo. E não deu.
Ao chegaram à capela, o relógio marcava 10h10 e Alice pode ver o carro funerário que faz o traslado para o cemitério dobrar a esquina. Alice esbravejou um “eu disse”, como se fosse ajudar naquele momento. Margarida e Lourdes choravam copiosamente, menos pela morte da amiga e mais pela perda da oportunidade da despedida. Alice se informou sobre o local do enterro e sugeriu que pegassem um carro e fossem até lá. Mas para a situação se tornar mais complicada, nenhuma das três havia levado bolsa com medo de assaltos, porque as ruas em dias de domingo ficam muito soturnas, como costumam dizer, e Alice gastou o único dinheiro que tinha com o táxi da ida.
Sem saída, Margarida, Lourdes e Alice retornaram para casa andando, se desculparam com tia Zeca olhando para o céu e seguiram pelo caminho de volta relembrando de histórias vividas com a amiga querida. E aquela foi a única forma (a melhor) de se despedir. E aos poucos os choros foram se transformando em sorrisos. “Lourdes, disse Margarida, tu te lembras daquela vez quando fomos para Mosqueiro, eu, tu e a Zeca e...”

Esta história é uma singela homenagem da Família Fonseca a Tia Zeca, amiga querida da qual Lourdes, Margarida e Eugênia não puderam despedir, mas que deve estar rindo lá do céu da ironia que aprontou com as amigas. Siga em paz! 

Comentários

  1. Queria eu ter visto a cena das três! Tia Zeca deve ter chegado ao pai às gargalhadas, papai do céu não deve ter entendido nada!!! Que descanse em paz. Bethania

    ResponderExcluir
  2. Amei a história, as lembranças, Tia Zeca deve ter rido muito da Mana jane, da Mana Marga e da Mana Lourdes rsrs. Beijos ... emocionante.Dani.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Autosabotagem

4 igrejas + 3 exposições = nossa própria tradição

Como vivem os idiotas ou até quando?