Presente de Aniversário


A protagonista desta história não é Alice, a protagonista desta história se chama Hilda.
Hilda é uma menina cheia de bons adjetivos. Uma das características mais marcantes de sua personalidade é a preocupação com o próximo, em sempre se colocar no lugar do outro para entender a dificuldade pela qual possa estar passando. É também cheia de boas ideias que a impulsionam a nunca ficar parada. Alice costumava chamá-la de “Fantástico Mundo de Bob”, dada a capacidade imaginativa da amiga. E o melhor de todas as suas qualidades é sua veia cômica, ou todos os vasos sanguíneos cômicos, que perpassava a ironia, às vezes. Quando falavam pra ela: “Teu nome nem combina contigo, tu és tão novinha”, ela respondia: “Por um acaso vou ficar nova pra sempre?”.
E foi num desses momentos de boa ideia que Hilda organizou uma viagem, em uma final de semana de férias para Marudá, cidade do litoral paraense. E pensou que podia também conhecer a Ilha de Algodoal, destino turístico paradisíaco, com uma praia encantada, frequentado por gente jovem e bonita, pelos surfistas mais sarados do litoral, enfim... bem convidativa. E Hilda não iria só, convidou três amigas para acompanhá-la na aventura: Alice, Sofia e Malu. Elas só sabiam que a viagem se tornaria uma aventura mais tarde.
Às seis da manhã, as amigas marcaram de se encontrar na rodoviária. Hilda combinou de ir com Alice, Sofia e Malu combinaram também de ir juntas e no horário marcado as quatro se encontraram. Hilda e Alice foram para o local acertado com D. Helena, mãe de Hilda, que além de muito gentil era uma verdadeira chef de cuisine. Alice já imaginava o que D. Helena havia preparado para elas comerem: sanduíches naturais, bolo, torta salgada, lasanha... "Acorda Alice!", exclamou Hilda, "nós vamos pra praia, não vamos abrir um restaurante em Marudá, mamãe nos preparou arroz e picadinho, vamos levar mais pão, queijo e presunto para fazermos sanduíches". Pela convivência, Alice já divagava em seus pensamentos como a amiga “Bob”. Às sete horas da manhã o ônibus partiu e as amigas não viam a hora de chegar ao destino.
A viagem durou cerca de quase quatro horas, a estrada estava péssima, cheia de buracos e Hilda se sentia num filme de faroeste devido à estrada de piçarra. Chegou a pensar que o motorista devia ser novato e inexperiente e as estava levando pela Transamazônica para chegar à cidade de Marudá. O mapa geográfico do Pará devia estar de ponta a cabeça.
Ao chegarem ao destino encontraram mais um integrante da viagem: Jorginho, amigo de Sofia e Malu. Ao comentarem com o rapaz sobre os planos de Hilda, resolveu logo viajar com as meninas, era louco para conhecer Algodoal, tinha inclusive uma tia que era prima da cunhada do irmão de D. Mirtes, que tinha uma casa em Marudá. Quando soube do interesse de Jorginho em viajar com elas e que tinha onde hospedá-las, Hilda não hesitou em convidá-lo para a viagem, afinal elas não iriam ter despesas com hospedagem. A aventura estava para começar.
A rodoviária ficava distante uns cinco quarteirões da casa de D. Mirtes, Hilda logo pensou que tiraria de letra, afinal ela e Alice costumavam caminhar sem destino por Belém, passeando numa tarde qualquer pra jogar conversa fora. Só não imaginava que os cinco quarteirões por onde andaria eram tão íngremes, pensava até que estava em Salvador de tanta ladeira! Só mesmo os Ilês Ayês de Daniela Mercury pra subirem a ladeira do Curuzu e ser a coisa mais linda de se ver!
Na esquina da rua da casa de D. Mirtes, Jorginho a avistou e tratou logo de acenar para a mesma, que veio em direção a eles e foi logo dizendo: “Que bom que vocês chegaram, arrumei a casa para recebê-los, separei um quarto pra vocês ficarem, meninas. Mas se não se importarem vocês terão que dividi-lo com a minha sobrinha Estela... e com a mãe dela... e com minha outra irmã, Joana...”. “Tudo bem, D. Mirtes, não temos problema em dividir o quarto com ninguém, não, né meninas?!” perguntou, Hilda. Ficou logo pensando que se não interrompesse aquela mulher, depois da Joana sabe lá quantas irmãs mais ela iria espremer no mesmo quarto com a gente.
A casa é aquela ali, apontou D. Mirtes. Hilda não podia acreditar no que via, rapidamente se sentiu remetida a Miami, apesar de nunca ter ido a Miami, nunca viu uma casa tão bonita e branca, parecia mais a “Casa Claudia” e comentou com Alice: “numa casa assim dividia o quarto até com os sete anões!”. A casa é aquela toda branca ali, D Mirtes? perguntou Hilda, “Ah! Quem me dera, minha filha, é aquela bem ao lado”. E bota bem ao lado nisso. Alice não sabia se a casa branca tipo Miami beach que era muito grande ou se a casa de D. Mirtes que era pequena demais. Mas Hilda não tinha frescura não e logo falou: “Que é isso, D. Mirtes, quem sabe um dia a senhora consegue construir uma casa assim, ou melhor, hein, hein...” e ao falar isso, cutucava a senhora com seu cotovelo, como num gesto, tipo, paguei mico, mas sou legal.
Ao entrarem na casa, as meninas perderam logo a conta de quantas pessoas tinham lá dentro. Sofia começou: um, dois, três, quatro, Malu continuou: cinco, seis, sete... mas esse aqui eu já contei. Ah! Esse aqui é o Huguinho, aquele ali é o Luizinho, eles são gêmeos, falou D. Mirtes. Hilda, perguntou: e tem o Zezinho, também? Não podia perder a piada. Contaram ao todo treze pessoas, numa casa com sala, banheiro, cozinha e dois quartos. Hilda acabava de concluir que com certeza D. Mirtes iria encher o quarto com pelo menos mais cinco mulheres!
"Onde fica o banheiro?", perguntou Hilda, "ali atrás, minha filha, pode ir lá, fique a vontade", respondeu Mirtes. Ao abrir a porta Hilda pensou: tá vazando alguma coisa aqui, mas mesmo assim entrou, já não agüentava mais segurar a vontade de urinar e a uma distância de no mínimo um metro mirou no vaso sanitário, o problema era que a mira não era muito boa, nunca foi boa com o jogo de dardos que ficava atrás da porta do quarto, ainda mais sem as mãos... Logo que saiu do banheiro, concluiu que toda aquela água no chão realmente havia vazado sim... dos órgãos genitais de todas aquelas pessoas que coabitavam aquela residência! Mas isso tudo era culpa da D. Mirtes, porque primeiro ela não lavava o vaso sanitário e lançava as pessoas ao malabarismo, segundo: nem todos eram bons nessa modalidade, pelo menos não as mulheres, os homens... eram uns desleixados mesmo, terceiro: ela dizia: “fique à vontade” e as pessoas levavam isso ao pé da letra.
Hilda podia aturar os sete anões, a casa BEM ao lado, mas xixi no chão era demais pra ela. Então conversou com as meninas, que decidiram em consenso procurar um lugar para passarem o final de semana, uma pousada, uma coisa simples, afinal elas só queriam um lugar para tomar banho e dormir, mas que não tivesse urina no chão.
O quarto que encontraram possuía somente uma cama de casal, não tinha porta no banheiro, nem pelo menos uma cortina que evitasse que a água do chuveiro molhasse o banheiro todo. Pela falta da porta, elas então entraram em consenso: ninguém faz coco, a não ser quando não tenha alguém no quarto. Com relação a cama de casal decidiram que três dormiriam na cama e uma na rede. A essa altura da viagem, já não incluíam Jorginho nos seus planos, afinal ele que as tinha posto numa enrascada. Tudo acertado, elas então combinaram que no outro dia, bem cedo, iriam para Algodoal.
À noite resolveram conhecer Marudá. Não encontraram muita coisa pra fazer, a não ser passear pela orla da cidade, que havia sido recentemente inaugurada, era o melhor lugar pra ir, imagina o pior, pensou Hilda. Mas antes de saírem, resolveram jantar, devido passarem o dia a procura de pousada, nem se lembraram de almoçar. Arroz, picadinho, pão, queijo e presunto, era isso que tinham para comer. “Esse arroz ainda tá bom pra comer?”, perguntou Alice, Hilda então o cheirou e disse que não, estava estragado. “E agora?”, perguntou Sofia. “Calma gente, temos pão, queijo e presunto, sejamos criativas, vamos comer o picadinho no pão, com queijo e presunto”, falou Hilda.
Pão com picadinho, pão com queijo, pão com queijo e presunto, pão com picadinho, queijo e presunto tudo junto, Alice nunca havia comido tanto pão e nunca havia comido um picadinho tão gostoso. Quando perceberam, o pão já tinha acabado e o picadinho havia sobrado e comprovaram a habilidade para cozinhar que D. Helena possuía. Aquela comida não era uma comida qualquer, era o picadinho mais gostoso da região, exclamou Alice.
O passeio na orla iria testar toda a paciência de Hilda. Malu encontrou uns amigos de Belém e começou a beber com eles, Alice avistou um rapaz e de repente se apaixonou a primeira vista, Sofia reclamava de tudo, dos carros estacionados nos quais seus donos resolveram, cada um, tocar um estilo musical: desde forró, passando pelo brega e no meio disso tudo O Rappa. Dava realmente pra ficar confusa... e irritada.
Hilda começou então o seu exercício altruísta, colocar-se no lugar das meninas e tentar entendê-las. Alice só pode estar míope, pensou, como pode ter se encantado por aquele cara, que horroroso, não sabe nem se vestir, combina blusa florida com bermuda xadrez! A Sofia não entende que estamos todas juntas nessa viagem, porque ela insiste em ir embora, até que estou me divertindo com esse bregaforrórappa. Mas bebida pra mim não dá! Malu nem gosta de beber, ela está fazendo isso só pra parecer legal para os amigos. Concluiu então que não dava para entendê-las, nem se colocando no lugar delas. Vamos embora, sugeriu então. Sofia foi a primeira a pular de alegria, Alice ficou triste, “poxa, logo agora que o menino sorriu pra mim”, isso depois de três horas que as amigas passeavam pela orla, Malu... Malu já não articulava as palavras de forma compreensível.
Para chegar a Algodoal as pessoas precisavam pegar um barco e atravessar numa viagem que tem duração de 40 minutos, nada que ocasionasse medo, dada a paisagem natural que entretia os viajantes. Entretanto, o terror já começava a se instalar desde o barco, que não possuía coletes salva-vidas, no lugar havia pneus que estavam alojados em cima do barco, numa eventualidade, pensava Hilda, teriam a mesma função de um colete. Hilda já imaginava a briga que seria, caso ocorresse um acidente: quatro, cinco pessoas brigando por um lugar ao sol, quer dizer, no pneu. Ela pensava ainda no biquíni novo que havia comprado para usar no final de semana e nem havia começado a pagar e que se perderia no fundo do oceano. "Hilda!", exclamou Alice, "vamos logo que o barco já vai sair e pega seu colete aqui". "Colete? Como assim? Onde você o conseguiu?", perguntou para Alice. "Ora, o tripulante me deu", respondeu Alice, "eles ficam ali atrás no barco". "E esses pneus aqui não são os salva-vidas?" perguntou Hilda. "Claro que não! São daquele senhor ali, ele trabalha lá na Ilha". Hilda respirou aliviada.
Ao desembarcarem, as meninas perguntaram como faziam pra chegar até a praia principal de Algodoal, descobriram que tinham duas opções: ou pegavam a charrete puxada por um burrinho, ou iriam a pé, conhecendo o lugar e as pessoas e apreciando a paisagem local. Hilda recusou-se veementemente de ir de burrinho, aquilo era trabalho escravo feito com o animal, desumano em sua opinião, as meninas todas concordaram e resolveram então caminhar até a famosa praia da Princesa.
“Essa praia existe mesmo?”, perguntou Hilda, afinal as amigas já estavam caminhando há pelo menos meia hora e nada de chegarem. “É só isso?” questionou Sofia, “cadê o mar verde e os surfistas sarados?”, endossou Alice. “Calma, meninas”, respondeu Hilda, vamos conhecer o lugar. Pararam em uma barraca qualquer e perguntaram para o garçom o que tinha de bom para conhecerem ali: “Meninas, vocês já ouviram falar no Lago da Princesa? É maravilhoso, vocês vão adorar, a água é da cor da coca-cola. Fica perto daqui, vocês podem ir andando ou pegar uma charrete”. “Charrete não!”, exclamou Hilda, “vamos caminhando”. E foram.
Passados quinze minutos elas continuavam procurando o tal lago. Sofia questionava porque não foram de charrete. Alice dizia que já não tinha mais lugar pro sol queimar, já estava toda ardida. Malu...Malu ainda não conseguia articular as palavras. “Só isso?”, perguntou Sofia, “isso não é um lago, é malmente uma piscina de plástico de dois mil litros!”, exclamou. “É por isso que odeio coca-cola, não presta nem pra servir de lago”, esbravejou Hilda. Malu então, já tendo voltado a si, depois de toda a evaporação do álcool sofrida, ironizou: “Parem de reclamar, porque a não ser que nós venhamos a morar aqui, nós teremos que voltar, então guardem a energia de vocês!” Malu falava pouco, mas aquela havia sido a coisa mais sensata que disse durante toda a viagem.
As amigas pararam de reclamar. Alice se apaixonou novamente, dessa vez pelo único surfista da praia, que só tinha olhos pra prancha dele. Sofia parou de reclamar e começou a beber com Malu, que voltou a não articular mais as palavras. Hilda assistia toda aquela cena das amigas e pensava que não poderia estar em lugar melhor, nem com pessoas melhores. E perguntou para as mesmas: “Alguma de vocês quer picadinho, sobrou aqui?”. E as amigas caíram na gargalhada.

Comentários

  1. Esta história é literalmente um Presente de Aniversário para uma amiga muito especial, que no momento não mora em Belém e me deixa cheia de saudades!

    ResponderExcluir
  2. Eu também quero uma história. Me dá de presente de casamento?
    rssssssssss

    ResponderExcluir
  3. Amigaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa arrasaaaada, só li agora!!!!
    Que emoção!!!!
    Como vc lembra de tudo!!!
    Te amo!!!

    ResponderExcluir
  4. Surfista viciado? Camisa florida e bermuda xadrez? Maninha só indo no Círio com um "Serginho de cera" p agradecer. :D

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Autosabotagem

4 igrejas + 3 exposições = nossa própria tradição

Como vivem os idiotas ou até quando?