Pessoas Estranhas I

Desde a infância ouvimos nossas mães pronunciarem as seguintes máximas: “não fale com estranhos, menino!”, “não dê confiança aos desconhecidos, menina!”. São falas que introjetamos em nossa mente e que funcionam tal qual a autoridade materna ou paterna, sem necessariamente que eles estejam presentes para nos dizerem isso a todo o momento. Só ficam lá, armazenadas em nosso inconsciente, até que um dia sintamos necessidade de utilizá-las, ou precisemos usá-las, forçadamente.
Alice, assim como outras pessoas também cresceu ouvindo sua mãe dizer para que não falasse com estranhos, que podia ser perigoso. Que quando se perdesse pelas ruas da cidade, “lá em baixo”, ou no Círio de Nazaré, que não demonstrasse que estava perdida, que ligasse pra casa, a cobrar mesmo, que alguém iria buscá-la. Enfim, coisas de mente de mãe preocupada.
Então Alice ficava pensando, ainda criança mesmo, que se não falasse com alguém como poderia voltar para casa, senão sabia nem o endereço de onde se encontrava perdida, tampouco o de sua casa; como ia ligar senão alcançava o orelhão para telefonar. E quando já adulta, lembrou de Vygotsky, teórico da educação, (tinha estudado isso na universidade) e que sua teoria da zona de desenvolvimento proximal, ou seja, momento em que a criança não tem autonomia e precisa da ajuda e/ou intervenção de um adulto para conseguir aquilo que deseja, teria ajudado na sua infância. Deviam ensinar isso para as mães - pensou. Alice era mestra em atrair pessoas estranhas.
Numa típica tarde de verão, quente que só ela, numa típica parada de ônibus, na verdade uma parada de ônibus imaginária, por que o que as pessoas tinham era apenas a sombra do poste de luz e ficavam ali, enfileiradas, a espera do também típico ônibus que demorava “pra caramba”, estava Alice. E como queria ela estar sozinha realmente, mas as pessoas estranhas não deixavam.
Moça - falou a estranha, você sabe se aqui eu pego um ônibus para ir lá para o shopping? Pega sim - respondeu Alice e pensou, do alto de sua experiência: eles sempre chegam com essa desculpa!
Não satisfeita, a estranha puxou um novo assunto. Sabe que é moça, estou indo lá ao shopping para comprar um remédio. Mas quem lhe perguntou - pensou Alice, na verdade com uma vontade enorme de não somente pensar. Ah é mesmo - falou, mas por que, você está doente? E Alice então acabara de atravessar a fronteira do desconhecido. Era regra, e ninguém mais do que ela sabia disso: nunca faça uma pergunta a um estranho, eles criam vínculos. Agora era tarde e não podia mais voltar atrás na bobagem que havia feito.
Pois é moça, sabe o que é... – respondeu a estranha, e só de ouvi-la falar o fatídico “pois é”, seguido do suicídico “sabe o que é”, Alice sabia que a conversa ia entrar num grau de intimidade irreversível! Eu terminei com meu namorado – completou a estranha. Poxa – pensou Alice, a moça com problemas de ordem sentimental e eu aqui sendo insensível. Mas por que ele terminou com você? – perguntou a burra. Burra? Burra sim, porque perguntar uma vez é erro, agora duas vezes é burrice. E foi o que fez Alice. Não não, fui eu quem terminou – respondeu a estranha. (Ah! esse negócio de estranha para lá, estranha pra cá, está ficando chato, vamos atribuir um nome a nossa desconhecida, que tal Rebeca?! É, Rebeca é bom, não conheço nenhuma mesmo.) Eu que terminei, por que ele me... TAN TAN RAN RAN, OOOLHA A TROPIGÁS... O que Rebeca? Por que ele me passou... TAN TAN RAN RAN, OOOLHA A TROPIGÁS... Não entendi, Rebeca. POR QUE ELE ME PASSOU UMA PARADINHA! E então Alice pensou: mas era só para eu escutar ou toda a parada de ônibus também podia? E o que que aquela mulher estava me dizendo? Do que é que ela está falando? Paradinha? Meu-de-us-do-céu! Será que é realmente isso que eu estou pensando?! Se for, nem quero entrar no mérito, então – pensou Alice. Só de imaginar qual Doença Sexualmente Transmissível seria, começou a lembrar dos livros de medicina que ficava bisbilhotando na biblioteca da universidade por curiosidade, ao invés de estudar a teoria do Vygostisky. Por isso a única coisa de que se lembrava era da zona de desenvolvimento proximal. Ah! Poxa, que chato. Então você tem que fazer o seu ex-namorado comprar o remédio, já que foi ele quem passou a paradinha! –exclamou Alice, e ao mesmo tempo pensou: o-que-eu-es-tou-fa-zen-do, incentivando-a ao conflito e ainda usando o vocabulário dela?! Boa ideia, é verdade, vou fazer isso! – exclamou mais ainda Rebeca. Criei um monstro – pensou Alice.
Mas e aí você já procurou um médico? – perguntou. E nem precisava, se Rebeca já havia afirmado que iria comprar um remédio no shopping, é óbvio que já tinha consultado um médico e que o mesmo havia prescrito a medicação. Ah! Sei lá: automedicação pode ser uma atitude perigosa... E isso tudo eram os diálogos que Alice conseguia travar com ela própria, na sua mente doutrinada: “não fale com estranhos, não fale com estranhos”, “eles podem ser perigosos, eles podem ser perigosos”. Quem podem ser perigosos? Os estranhos?
Ah sim, sei.

Comentários

  1. tá vendoooooooo como eu leio meu e-mail.. até sei q tu falaste mal de mim lá... eheheheh!!!
    E até estou visitanto teu blog!!! q chique... minha amiga tem um blog!!! ehehehehhe!!! Bjssssssssssss

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  2. hahaahah... oi amigaaaaaaa..... gostei disso.... ja q nao tenho mais orkut acho q vou criar um blog.... saudades.... bjos

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  3. Nossaaaa...que interessante menina...
    Tens talento viu!!!! Tua habilidade narrativa é excelente! brincas com o vocabulário...ora falando dificil...ora com um sutaque bem popular...rs...isso é originalidade!!! Além de tudo isso, abordas dentre outras uma questão muito interessante...essa coisa de quase todo o mundo parecer estranho...até o momento que se resolve criar laços...dai o caminho é realmente sem volta...pois, como diria certa raposa..."somos eternamente responsaveis por aquilo que cativamos". Gostei de teu blog!!!! Parabéns!!! Bjs!!!!

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  4. Essa história não me é estranha!KKKKKKK!!!Paradinha, kkkkk!!!!!!

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  5. Dona chabugenta!! ...muito bom! ...sempre desconfiei que as viagns etílicas dos velhos tempos da faculdade... não a mudavam... apenas abriam arestas de um Eu repleto de de mundos! Então, li apenas "pessoas estranhas I", antes de mais nada, lembras que sou.. digamos... um pouquinho chato e... meio...não! um pouquinho crítico apenas. Mas gostei muito da idéia. O texto é bem sóbrio e livre...ora, é definitivamente interessante. Contudo!! ...brincadeira! a adversativa vai ficar nas reticências.. por enquanto! rsrsr é porque, afinal, jamais perderia a chanse de dar uma boa sacaneada em ti... já pensei até num título pra uma crónica futura - "diários de uma rabugenta" - que achas? ..é tens razão. Muito clichê msmo. Mas vou pensar em títulos possíves.. mas nada assim autêntico!
    Mas falando sério Barbara. Gostei sim do qu escreveste. A iniciativa do blog então... porra muito massa. Vou de vez em quando dar umas planadas por aqui.

    P.s.: andei escrevendo umas coisas tb... mas enfim... ainda são muito altistas, então, não mostro pra ninguém... por isso, acho mais interessante ainda o blog!

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  6. Só no teu blog p eu ouvir falar de Vygostisky além dos muros da Uepa rsrsrsrs. Muito bom teu texto Babi.

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